Introdução
Hoje, vamos discutir sobre soldagem aluminotérmica. Iremos abordar desde o simples conceito até o passo a passo e controle de qualidade da solda. Ela está presente tanto na contrução quanto na manutenção de vias férreas e é realizada em campo. Para entender mais sobre o assunto veja nossos posts anteriores sobre trilhos.
Conceitos
A soldagem aluminotérmica é realizada em campo, diferente das soldagens TIG e MIG. Podemos defini-la como a fusão de uma liga (porção de solda) por reação exotérmica (liberação de calor). Em suma, a soldagem aluminotérmica pode ser descrita pelo seguinte esquema:
A reação ocorre dentro de um cadinho e o material fundido preenche o vazio e os trilhos se unem em uma única peça.
É perceptível que o objetivo principal da soldagem é a união de trilhos e esta junção pode estar associada à montagem de trilhos longos contínuos, à eliminação de talas metálicas e à reparação de fraturas de trilho.
Materiais consumíveis
No Brasil, há dois excelentes fornecedores de material para solda, a Thermit e a Pandrol. Cada fabricante possui sua especificidade no procedimento de soldagem, sendo assim, o soldador deve ser treinado para cada fornecedor.
Porção de solda
Componentes químicos: Fe2O3 + 2Al + (Mn, Si, Cr)
A porcentagem de Mn, Si e cobre é determinada para cada tipo de trilho e processo. Sendo assim, há porções adequadas para cada perfil, resistência mecânica do trilho e processo de soldagem (sowos, skv).
Acendedor ou ignitor
O acendedor é um fósforo que entra em combustão com a temperatura de 130 °C à 150 °C, por isso, é necessário um maçarico para ascende-lo. Uma vez que o ignitor foi aceso ele atinge de 800 °C até 1300 °C, a qual é a temperatura adequada para iniciar a reação exotérmica da porção.
Fôrma
A fôrma contém o material fundido da porção de solda, garantindo que esse material preencha o espeço necessário para junção dos trilhos sem vazar.
Pasta/areia de vedação
A areia auxilia para que o material fundido não vaze, cobrindo as lacunas entre a fôrma e o trilho.
Cadinho
Os cadinhos podem ser de 3 tipos: longa vida, o qual dura vária utilizações e precisam ser limpos para serem reutilizados; descartáveis e; degradáveis – estes últimos duram apenas uma única utilização.
Dessa maneira, é válido destacar que todo material deve ser guardado e protegido da umidade.
Condições para soldagem
Condições dos trilhos
Os trilhos a serem soldados não devem apresentar defeitos superficiais na região de soldagem como: deformações, trincas, empenos e furos abertos com maçarico.
Recomenda-se que os trilhos a serem soldados não contenham furação. Existindo a furação, esta deve ser emassada com massa de vedação e deve se situar no mínimo a 4cm de distância da face (extremidade) do trilho.
Os topos a serem unidos pela solda devem corresponder-se, permitindo os alinhamentos horizontal e vertical pela linha de bitola entre os trilhos, observadas as dimensões especificadas da ABNT NBR 7590
Condições das juntas
Os trilhos e/ou barras devem estar alinhados e com correspondência entre os topos de forma a garantir uma folga entre os trilhos especificada pelo fornecedor da porção de solda de acordo com o processo de soldagem a ser utilizado.
As pontas defeituosas, como esmagamentos, fissurações da furação ou outros defeitos, devem ser eliminados por corte.
As rebarbas devem ser esmerilhadas em uma extensão de 15 cm, de modo a permitir colocação do molde.
Eventuais elementos externos ao perfil do trilho, como solda de cabo de bondeamento, devem ser igualmente esmerilhados ou retirados.
O corte do trilho deve ser a frio, com serra ou disco de corte (policorte).
O fornecedor da porção de solda deve especificar os procedimentos para a soldagem aluminotérmica de trilhos contendo furos para talas.
Quando houver necessidade pode ser autorizado o corte a maçarico, efetuado por soldador, desde que as faces dos trilhos sejam posteriormente cortadas com serra ou disco de corte (policorte), de modo a eliminar possíveis ranhuras e imperfeições causadas pelo maçarico.
Após o corte dos trilhos deve-se ter cuidado de limpar as extremidades dos seus perfis, com escova de aço, de modo a eliminar as partículas de óxido, rebarbas e impurezas.
Devem ser liberados no mínimo três dormentes para cada lado da junta.
Os materiais sensíveis ao calor necessário à soldagem devem ser removidos das fixações (palmilhas, ombreiras plásticas, etc.). Se necessário, cortar a ponta do trilho para ajuste da folga.
A junta deve ser alinhada com a régua calibrada de 1m, usando cunhas de nivelamento e considerando a contra flecha. Essa contra flecha é necessária para compensar o esfriamento tardio do boleto com o consequente abaixamento da junta.
Verifique se há torção entre os trilhos e corrija-a com cunhas de nivelamento ou com reguladores de bitola.
No alinhamento lateral use cunhas ou reguladores de bitola.
O molde deve ser montado de forma centralizada com a junta.
Após a colocação do molde, os topos dos trilhos devem ser preaquecidos conforme especificado pelo fornecedor da porção de solda.
Condições atmosféricas
A solda de fechamento deve ser realizada na temperatura neutra ou utilizando tensor hidráulico para esticar o trilho. Você pode utilizar o termômetro da BRFERROVIA para saber a temperatura do trilho
Cálculo da Temperatura Neutra (TN) e da Faixa de Temperatura Neutra (FTN):
Condições do material
Antes de ir a campo, deve-se conferir os materiais, garantindo no mínimo as seguintes condições:
A porção de solda deve estar em embalagem estanque (ou seja, sem nenhum furo/dano), sem umidade ou contaminação. O rótulo da embalagem deve conter no mínimo as seguintes informações: perfil do trilho, processo de soldagem e dureza.
Devem ser aplicadas as porções de solda adequadas aos perfis de trilho diferentes a serem soldados; utilizar a porção específica para o trilho de maior perfil. De forma que a porção de solda utilizada produza um aço com dureza levemente superior à do aço do trilho soldado, para evitar um desgaste prematuro no local da solda, devendo alcançar os valores especificados abaixo:
Obs. Antes do processo de realização de impressões de dureza é necessário fazer um esmerilhamento de 0,5 mm na superfície de rolamento.
Os fósforos pirotécnicos devem ser armazenados e transportados separadamente das porções de solda, para evitar um acendimento indevido.
A fôrma deve ser pré-fabricada com uma mistura de areia de quartzo, óxido de ferro e silicato de sódio. O rótulo da embalagem deve conter no mínimo as seguintes informações: perfil do trilho e processo de soldagem.
O fornecedor da porção de solda deve providenciar um manual do processo, identificando todos os materiais de consumo e equipamentos utilizados, bem como o processo a ser seguido em todas as etapas de soldagem. O manual deve especificar os parâmetros críticos do processo de soldagem e seus limites seguros, bem como:
Características visuais;
Movimentação e estocagem;
Acondicionamento;
Propriedades químicas;
Propriedades físicas;
Orientações para descarte de resíduos, embalagens e material rejeitado
Procedimento de soldagem
Segurança
Já vimos em outras postagens o quanto a segurança é prezada em vários processos de manutenção de via permanente. Com a soldagem não seria diferente. Abaixo seguem alguns EPI’s específicos para esse processo:
Botina de segurança;
Calça em brim;
Avental de raspa, ou de kourion;
Óculos de segurança;
Camisa em brim de manga.
Para movimentação de materiais pesados robustos e quentes, recomenda-se o uso de luva de raspa de couro cano longo;
Para movimentação de materiais leves, recomenda-se o uso de luva de vaqueta com dorso em raspa;
Para a realização da solda, recomenda-se o uso de luva de grafatex com Kevlar;
Para esmerilhar, protetor facial simples com lente incolor;
É facultativa a utilização de capacete de segurança com protetor facial.
Também precisamos ter alguns cuidados como:
Verificar se não há vazamentos no equipamento de oxicorte e pré-aquecimento;
Antes de acender o maçarico, abrir primeiro a válvula de oxigênio, em seguida a de propano;
Para apagar o maçarico fechar primeiro a válvula de propano e depois a de oxigênio;
No caso de retrocesso da chama, caracterizado pelo assobio típico, fechar rapidamente a válvula de oxigênio e depois a de propano;
Durante o esmerilhamento, usar óculos de proteção e perneiras;
Não utilizar máquinas de esmerilhar sem protetor para o rebolo;
Passo-Passo:
1º Fixação da prensa universal
2º Ajuste da altura do maçarico
3º Montagem das formas
4º Posicionamento do cadinho
Obs. Recomendações sobre o cadinho longa vida
- A norma de soldagem aluminotérmica diz que o cadinho longa vida, antes de conter a porção de solda, deve ser limpo e seco a uma temperatura de cerca de 100°C, com o uso do maçarico de pré-aquecimento.
- A Thermit do Brasil, recomenda em seu manual do soldador, que:
- Deve-se remover a escória do cadinho longa vida, com a ajuda do extrator, somente quando a capacidade do cadinho ficar reduzida (cerca de 15 soldas).
- O limite da vida de um cadinho longa vida é reconhecido pelo avermelhamento em forma de um anel em volta da capa exterior (nem sempre visível à luz do dia).
5º Regulagem da chama do maçarico
6º Pré-aquecimento do trilho com maçarico
7º Ignição da porção
8º Retirada do cadinho
9º Retirada das presilhas
10º Rebarbamento
11º Esmerilhamento da junta soldada
A solda deve ser esmerilhada a partir do alto do boleto em direção aos seus lados para se obter um rolamento suave das rodas dos veículos ferroviários.
Durante a fase de esmerilhamento deve ser observado o seguinte:
O esmerilhamento deve ser controlado continuamente com régua de aço de 1 m de comprimento;
As tolerâncias após o esmerilhamento são +0,6 mm e – 0,2 mm na superfície de rolamento e + 0,3 mm na lateral do boleto. Caso a tolerância seja ultrapassada, pode-se deixa-lo desde que se suavize o defeito em uma extensão equivalente a 500 vezes o valor excedido.
12º Acabamento
Ao final da soldagem, deve ser realizada uma limpeza do local ao redor da solda e a remoção de restos da fôrma, escória, partículas e aparas de aço existentes;
A área embaixo do patim do trilho deve ficar livre de impurezas;
Como operação final, o local da solda deve ser protegido contra intempéries;
É necessário a inspeção final observando o posicionamento, o distanciamento e o calçamento dos dormentes, que eventualmente podem necessitar de intervenção da manutenção dos padrões e uma socaria final antes da liberação da via soldada.
13º Conferência final
Na conferência final, deve-se verificar o seguinte:
A integridade interna da solda através de, ultrassom e líquido penetrante, buscando identificar defeitos internos como: poros e inclusões de pasta de vedação ou escória.
A geometria da solda, ou seja, o alinhamento no topo e na face do boleto com régua retificada.
E a presença de defeitos externos como: falta de aço na superfície de rolamento, fissuras na solda e o incrustamento de escória.
Defeitos em soldas
A solda deve ser isenta de:
Falhas de continuidade na superfície de rolamento;
Defeitos;
Deformações no cordão de solda.
É proibido efetuar o enchimento de vazios ou outros defeitos da soldagem.
A solda defeituosa e/ou rejeitada deve ser imediatamente substituída.
A nova solda deve ser executada a uma distância mínima definida pela operadora. (Ou pode-se realizar a solda larga, eliminando totalmente a solda defeituosa.)
Quando não for possível puxar a barra, deve ser introduzido um pedaço de trilho com um comprimento mínimo definido pela operadora. (Geralmente o comprimento adotado é de 4-6 metros entre juntas.)
Os principais catalizadores de defeitos em solda são:
quinas de rebarbagem;
óxidos aprisionados;
inclusão de escória;
aquecimento impróprio.
Defeitos internos em soldas
Para ver exemplos sobre os defeitos internos de solda e ter conhecimento completo sobre trilhos em geral, adquira nosso e-book:
Controle de qualidade
Registro das soldas
É necessário fazer uma análise geral do controle de qualidade da solda, para que em caso de falha, a empresa executante seja responsabilizada. Além disso, ajuda a garantir que todos os passos foram executados corretamente.
Executante;
Soldador;
Data;
Fabricante da solda;
Lote da solda;
Posição da solda em relação à via;
Temperatura básica do trilho;
Temperatura neutra;
Resultado das verificações e/ou ensaios;
Parâmetros do processo de soldagem:
Nivelamento e alinhamento;
Tempo gasto no preaquecimento;
Identificação completa dos trilhos a soldar (inclusive origem);
Tempo de aguardo para o rebarbamento.
Observações.
Ensaios de controle de qualidade em solda (Previsto em normas)
Composição química
A composição química da solda deve apresentar no máximo 0,05% de enxofre (S) e 0,05% de fósforo (P), além dos elementos necessários para o aço típico do trilho e dureza da solda.
Estes elementos são especificados pelo fornecedor da porção de solda.
Dureza Brinnel
Os ensaios de dureza Brinnel devem ser conduzidos de acordo com a ABNT NBR NM ISO 6506-1, usando:
Esfera com diâmetro de 10 mm;
Carga de diâmetro aplicada de 3.000 kgf.;
Tempo de aplicação de 15s
A dureza deve ser medida no cordão de solda abaixo da zona de descarbonetação (5 mm abaixo da superfície de rolamento).
Três valores de dureza devem ser determinados para cada solda, sendo considerada como dureza da solda a média destas três leituras.
Flexão estática
O trilho soldado deve ser submetido a um ensaio de flexão estática com carga crescente no centro da solda até a ruptura.
O macho da prensa deve incidir sobre o boleto no local de solda equidistante dos apoios.
Os pontos de apoios devem possuir uma forma cilíndrica com diâmetro de 30mm a 50mm, e a distância entre eles deve ser de 1.000mm.
O corpo de prova deve ter um comprimento aproximado de 1.400mm à temperatura ambiente.
Tudo isso conforme a figura abaixo:
Os cálculos dos valores mínimos das cargas de ruptura devem ser feitos pela seguinte equação:
F= 0,0032 Wx
Onde, Wx é o valor numérico do módulo de resistência do patim, expresso em mm³.
Para os trilhos especificados na ABNT NBR 7590, estes valores são os apresentados na tabela baixo:
Resistência à fadiga
A aparelhagem para realização do ensaio deve ser composta de um atuador com dispositivo em forma de cutelo duplo, centrando sobre os apoios e sobre o local da solda.
O corpo de prova deve ser composto de dois segmentos de trilho, com no mínimo 610mm de comprimento cada, soldados e com esmerilhamento do boleto.
O raio dos apoios e dos cutelos deve ser de 20mm.
Procedimento:
1. Posicionar o corpo de prova na aparelhagem
2. Submeter o corpo de prova a uma solicitação cíclica, gerada pelo atuador, até completar 2 x 106 ciclos.
Nota 1: A frequência de pulsação é de 300 ciclos por minuto, admitindo-se uma variação de mais ou menos cinco ciclos por minuto. Nota 2: O ensaio pode ter seu procedimento interrompido e retomado até que seja completado o número de ciclos especificado.
3. Calcular as cargas mínima (Pmín) e máxima (Pmáx) a serem fornecidas pelo atuador utilizando as seguintes equações:
Onde, σmín = 50 MPa σmáx = 230 Mpa Wx= módulo de resistência do patim (mm) L= distância entre apoios (mm) Lo= distância entre cutelos (mm)
4. O relatório do ensaio deve conter no mínimo as seguintes informações:
Identificação do corpo de prova;
Anormalidades verificadas no corpo de prova (principalmente na zona fundida, antes e após o ensaio);
Número de ciclos aplicados e se ocorreu ou não a ruptura do corpo de prova;
Cargas máxima e mínima fornecidas pelo equipamento de ensaio, em quilonewtons;
Referência à norma;
Data de execução do ensaio.
Conclusão
Encerramos mais um post, desta vez falamos sobre soldagem aluminotérmica. Foi possível compreender o passo a passo para realização desta atividade, bem como os materiais usados e as condições que o procedimento deve ser feito. Para entender mais sobre o mundo ferroviário adquira nosso curso sobre Fundamentos da Manutenção de Via Permanente. A BRFERROVIA também oferece treinamento de soldagem, para que você possa realizar este trabalho, entre em contato com a gente para mais informações.
Texto adaptado do Manual do Soldador da Thermit do Brasil e do Manual Técnico de Manutenção da Ferrovia Centro-Atlântica.
Escrito por Paulo Lobato e Laura Lima
Especialista em manutenção de via permanente ferroviária e gestão de projetos com 15 anos de experiência profissional
Engenheiro Civil formado pela UFMG em 2010 com curso de extensão em ferrovia e transportes pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris/França
Certificado em Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI)
Pós-graduado em Engenharia Ferroviária pela PUC-Minas
Pós-graduado em Gestão de Projetos pelo IETEC
Pós-graduado em Restauração e Pavimentação Rodoviária pela FUMEC
Contato: (31) 98789-7662
E-mail: phlobato01@gmail.com