Introdução
Anteriormente, falamos sobre a superestrutura e vimos que um de seus componentes é o dormente, o qual será assunto desta postagem. Os dormentes podem ser considerados travessas, geralmente, prismáticas que ficam posicionados sobre e ao redor do lastro e sobre os quais os trilhos são assentados e fixados. Tal elemento pode ser encontrado com diferentes tipos de materiais, os quais são: madeira, aço, plástico e concreto. Discutiremos, também, que não existe um bom ou ruim, mas sim, um que se adeque melhor para cada situação.
Funções
Os dormentes são responsáveis por manter a distância entre os trilhos (bitola) além de fixa-los e servir como o suporte destes. Com isso, o dormente recebe a carga do patim do trilho através da placa de apoio. Esta carga é absorvida e redistribuída para o lastro, como observado na figura anterior. Assim, este componente distribui os esforços horizontais e verticais ao lastro; mantém a estabilidade transversal, vertical e longitudinal da via; e mantém a conformação geométrica da grade ferroviária e do AMV (alinhamento longitudinal e transversal).
Materiais do dormente
Como já dito, o dormente pode ser encontrado com diferentes tipos de material e agora é o momento de falarmos sobre cada um deles.
Madeira
Os dormentes de madeira são os mais utilizados no Brasil, principalmente, pelo baixo custo. Eles são destacados pela sua resistência e elasticidade; promovendo uma grande capacidade de suportar vibrações oriundas de ações de veículos ferroviários.
Cada dormente possui um espaçamento específico de acordo com suas características, por exemplo, os de madeira são usualmente espaçados em 57 cm, o que nos dá um total de 1750 dormentes/km. Este distanciamento é curto em relação aos demais dormentes, devido ao peso mais leve da madeira. Além disso, para cada tipo de bitola, há uma medida para as dimensões do dormente, bitola larga e métrica
Antigamente, as ferrovias utilizavam diferentes tipos de madeiras de lei como dormentes, conforme o quadro a seguir:
1ª Classe | 2ª Classe |
Angico-preto | Angico-Vermelho |
Aroeira-do-sertão | Grápia |
Jatobá | Guajuriva |
Sucupira-Amarela | Peroba-rosa |
Maçaranduba | Pessegueiro-bravo |
Ipê-tabaco | Canela-preta |
Pau-roxo | Imbuia |
Coração-de-negro | Canafístula |
Angelim-vermelho | |
Atualmente, o eucalipto é a madeira mais utilizada em dormentes, se não a única a utilizada. Essa madeira, existem diferente espécies que podem ser utilizadas e cada uma com características diferentes.
Como já mencionado, os dormentes, majoritariamente, possuem formatos prismáticos, contudo, antigamente, os de madeira também eram encontrados em formatos ovalados e de duas faces.
É importante, também, falarmos das partes dos dormentes de madeira que são: alburno e cerne. A última é a parte central do elemento, sendo mais densa e mais resistente. Já a primeira é a parte periférica do dormente, a qual envolve a parte central e possui contato direto com as substâncias do tratamento químico.
Há uma necessidade de se tratar os dormentes para uma garantia de maior vida útil destes. Existem vários tipos de tratamentos que serão listados a seguir:
Aplicação de Gang Nails: são placas metálicas que são colocadas na face lateral dos dormentes para minimizar as rachaduras dos dormentes nas pontas durante a secagem.
Secagem: Existem duas formas de secagem, sendo elas o anelamento e a secagem de dormente empilhado. Esta primeira forma se dá quando o tronco de madeira é descascado antes mesmo de ele morrer, permitindo que a madeira seque naturalmente sem muitos riscos de empenamento. Tal processo possui uma duração aproximada de 8 a 12 meses. A segunda forma de secagem é a mais utilizada atualmente, a qual a madeira fica empilhada com uma certa inclinação e espaçamento entre uma peça e outra, permitindo uma circulação de ar e a secagem por igual. Este processo dura de 20 a 30 dias, no entanto, há uma perda de 10%, aproximadamente, de peças empenadas e rachadas.
Autoclavagem: é um processo em que os dormentes são embebedados por preservativos químicos como CCA (Arceniato de cobre cromatado) e CCB (Wolmanit CB) e colocados em uma máquina (autoclave), onde sofreram uma pressão de 10Mpa durante 24 horas, para aderência desses produtos químicos ao alburno.
Assim que o tratamento é terminado os objetos fardados serão encaminhados para o transporte e levados até a ferrovia, onde serão distribuídos.
Ao receber os dormentes é necessária uma primeira inspeção visual para recebimento destes. Para se aprofundar nessas práticas de inspeção, você pode adquirir nosso curso de Manutenção de Via Permanente.
Dentre as vantagens da utilização dos dormentes de madeira podemos citar:
Resiliência aos descarrilamentos;
Vida útil, no caso da madeira de lei
Manutenibilidade (peso e pega com tenaz);
Baixa necessidade de mecanização;
Isolamento natural, em vias sinalizadas.
Já as desvantagens são:
Vida útil, no caso do eucalipto;
Custo ambiental elevado;
Decomposição;
Baixo peso (resistência lateral).
Concreto
Dentre os dormentes de concreto mais utilizados, estão os de concreto armado protendido, os quais possuem barras no seu interior que são tracionadas para garantia de uma compressão. Isso ajuda no não aparecimento de fissuras no meio do dormente quando exposto às cargas nos apoios dos trilhos. Como bem sabemos, o concreto não resiste muito à tração, então as barras em seu interior geram uma compressão impedindo o aparecimento de trincas geradas pela tração.
Há uma tendência mundial na utilização destes dormentes, uma vez que possuem alta durabilidade e alto apelo ambiental; uma vez que não gera desmatamento para sua fabricação e não necessitam ser trocados com frequência. O espaçamento usual entre estes dormentes é de 61 cm, ou seja, 1.640 dorm/km.
É importante falar dos tipos de dormentes de concreto, os quais são: monobloco e bi-bloco. Este é formado por duas partes de concreto ligadas por uma barra (pode ser o próprio trilho) de aço, resultando, assim, uma economia de concreto. Contudo, há uma menor área de apoio que favorece o desnivelamento e menor peso e resistência lateral quando comparado ao monobloco. Os dormentes bi-bloco são indicados para vias com veículos de até 25t/eixo e 30 MTBT. Já os dormentes monobloco, são os mais utilizados mundialmente. Estes também possuem alta resistência ao carregamento e fadiga, além de serem menos resilientes a acidentes. Um monobloco de bitola larga pesa, aproximadamente, 480Kg e exigem mecanização para manutenção.
Nos dormentes de concreto podem ser aplicadas quaisquer tipos de fixações, como, pandrol ou SKL. No entanto, não há fixação rígida para esse tipo de dormente. Este pode receber ombreiras chumbadas, ou seja, a ombreira é concretada dentro do dormente, além da necessidade de palmilhas isolante, uma vez que não é um dormente naturalmente isolado. Essas palmilhas também são utilizadas para proteger os dormentes, pois possuem uma tendência maior em se desgastar, quando em contato com o trilho.
Esses dormentes necessitam de ser instalados de forma mecanizada, uma vez que sua manipulação manual é inviável. Para isso, são utilizadas máquinas de grande porte ou renovadores de via. Abaixo conseguimos ver uma renovadora de linha que consegue recolher os dormentes velhos, os quais são levados, por meio de uma esteira, para os vagões. Da mesma forma, esta máquina consegue posicionar novos dormentes com o espaçamento correto no local onde foram retirados os velhos.
Dentre as vantagens do uso de dormentes de concreto temos:
Durabilidade;
Habilidade para manter a bitola;
Habilidade para manter o nivelamento da via;
Habilidade para manter o alinhamento da via;
Resistência à Flambagem de via.
Já as desvantagens são:
Sensível a danos no impacto;
Abrasão na área de apoio do trilho;
Maior rigidez da via.
Aço
Os dormentes de aço são formados por chapas em forma de U virado para baixo e são fixados no lastro, por esse motivo necessitam de melhor socaria e maior tempo de assentamento para melhor fixação. Esse material possui maior facilidade de aplicação por ser leve e vem sendo muito empregado nas ferrovias brasileiras devido ao seu preço competitivo. Em condições normais, apresentam longa durabilidade e resistência, além de apresentar maior estabilidade lateral da via.
No entanto, o aço pode causar ocupação no circuito da via e, por isso, necessita de isolamento. Como estamos falando de dormentes de aço, eles precisam de palmilha isolante para evitar a ocupação do circuito. Além disso, se houver empenamento ou descarrilamento do dormente não é possível fazer o rebitolamento. Outro ponto negativo é a poluição sonora causada na passagem de veículos ferroviários sobre vias com este tipo de dormente. É importante destacar que usualmente são posicionados num espaçamento de 57 cm, ou seja, 1750dorm/km.
Os dormentes de aço recebem tratamento para serem mais resistentes à água, à abrasão e à variação de temperatura. Além disso, existe uma preocupação quanto à oxidação do aço, principalmente, em regiões litorâneas; uma vez que, sob ação do sal, a vida útil dos dormentes pode ser reduzida de 30 para 10 anos.
Estes dormentes chegam às ferrovias em formas de fardos amarrados com fibras e são transportados por vagões plataforma até o local de uso.
Para finalizar, as vantagens e desvantagens dos dormentes de aço são resumidas abaixo:
Vantagens:
Estabilidade;
Durabilidade;
Resistência mecânica.
Desvantagens:
Período de estabilização.
Custo;
Isolamento;
Acústica;
Não permite rebitolamento (desgaste de trilhos).
Plástico
Os dormentes de plástico possuem dimensões e peso similares aos dos dormentes de madeira, além dos mesmos tipos de fixação e de poder utilizar o mesmo ferramental de aplicação. Tal dormente apresenta boa durabilidade e bom desempenho e é um bom isolante elétrico. Sua fabricação conta com material reciclado, porém ainda é muito pouco empregado nas ferrovias.
Existem dois tipos de dormentes de plástico, o puro plástico e o misto. Este último utiliza componentes de reforços de propriedades mecânicas, os quais são: fibra de vidro, que auxilia na resistência de arrancamento da fixação, e o aço, o qual ajuda na resistência a flexão e cargas cíclicas. Ademais, o misto possui menor dureza, fazendo com que haja deformação. Já os dormentes de plástico puro priorizam plásticos de alta densidade (PET, detergente) e não são utilizados aditivos de reforço. É valido destacar que este tipo de dormente possui resistência mecânica elevada e que sua alta dureza, associada à presença de vazios, leva a fratura.
Com isso, podemos concluir que as vantagens sobre os dormentes de plástico são:
Manutenabilidade (ferramentas);
Manuseio (peso e dimensões)
Condutibilidade elétrica.
Já as suas desvantagens são:
Preço;
Vida útil ainda não validada pelas ferrovias.
Destinação final dos dormentes
É preciso que os dormentes, ao chegarem no final da sua vida útil, sejam descartados da melhor forma possível para diminuir a produção de lixo. Para isso, os dormentes de madeira podem ser utilizados como:
Confecção de mourões de cercas;
Fundos e laterais de baias para depósitos de materiais;
Escoramento de aterros e banquetas;
Apoio para peças de grande porte e patolamento de equipamentos de grande porte;
Incineração em fornos apropriados para esta finalidade.
Já os dormentes de aço, podem ser reutilizados como:
Escoramento de aterros e banqueta;
Sucata.
E, por último, os dormentes de concreto podem ser destinados ao:
Escoramento em geral;
Enrocamento.
Life Cycle Cost (LCC)
Em português, LCC significa Custo de Ciclo de Vida, o qual é uma técnica para saber a alternativa economicamente mais viável para uma ferrovia. Sendo assim, devemos levar em consideração vários pontos, como, fatores externos, os quais estão relacionados ao mercado financeiro no período de aquisição. Além disso, devemos considerar o custo de aquisição de componentes, por exemplo: o custo dos dormentes, fixações, materiais metálicos, pedra de lastro adicional (em casos de dormentes mais altos, como os de concreto), palmilhas, isolantes entre outros. Temos que levar em conta, também, o custo de manutenção de cada tipo de dormente, vida útil em separado de cada componente utilizado, valor residual do custo dos componentes sucata, entre outros fatores. Como foi dito no início, não existe um melhor dormente, devemos avaliar a situação do local desde o espaço físico até os fatores financeiros e de mão-de-obra.
Conclusão
Neste post introduzimos alguns conceitos sobre os dormentes, bem como suas características. Pode-se perceber que cada um deles possui pontos positivos e negativos, assim não existe um melhor ou pior. No entanto, é notório a predominância do uso de dormentes de madeira e de concreto no Brasil. Você pode conferir mais detalhes sobre os dormentes, no nosso curso de Fundamentos de Manutenção de Via Permanente. No nosso próximo post vamos dar continuidade ao assunto de dormentes falando do seus defeitos e da sua manutenção.
Texto adaptado do Manual Técnico de Manutenção da Ferrovia Centro-Atlântica
Escrito por Paulo Lobato e Laura Lima
Especialista em manutenção de via permanente ferroviária
Elevada experiência em gerenciamento de projetos e análise de viabilidade técnica-econômica de novos projetos
Engenheiro Civil formado pela UFMG em 2010 com curso de extensão em ferrovia e transportes pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris/França
Certificado em Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI)
Certificado em Inglês Avançado (CAE) pela Cambridge University
Pós-graduado em Engenharia Ferroviária pela PUC-Minas
Pós-graduado em Gestão de Projetos pelo IETEC
Pós-graduado em Restauração e Pavimentação Rodoviária pela FUMEC
Contato: (31) 98789-7662
E-mail: phlobato01@gmail.com