Introdução
Neste post vamos fazer uma pequena introdução sobre a via permanente ferroviária. Nele vamos abordar alguns conceitos e características próprios da via permanente e vamos falar sobre os diferentes componentes tanto da infraestrutura, quanto da superestrutura da via. O objetivo é que você possa ir se familiarizando com esta maravilhosa ciência e possa já conhecer alguns dos termos mais usados pelos profissionais da via.
Conceitos e características
Imagine, que as locomotivas tentassem tracionar aqueles vagões pesados sobre o solo. Sabemos que isto não seria possível pois as rodas iriam afundar no solo e patinar. Por isso, a via permanente foi dimensionada para receber todo o peso das composições e o transferir para o solo de maneira que ele consiga resistir a todos os esforços resultantes do tráfego e sirva também de pista de rolamento das rodas. Além disso, sabemos bem que as locomotivas não possuem volante e, portanto, não podem ser guiadas pelos maquinistas, da mesma forma que os caminhoneiros guiam os caminhões. Para que as composições cheguem ao seu destino é preciso que elas sejam guiadas através do contato do friso da roda com o trilho.
Assim, de forma resumida, podemos dizer que a via permanente é o conjunto de instalações fixas que desenvolvem funções básicas de suporte, pista de rolamento e guia para os veículos ferroviários.
A geometria da via
A geometria da via é o traçado propriamente dito; é o que permite que as composições sejam guiadas desde o pátio de carregamento até o porto ou usina de beneficiamento. Podemos dizer que a geometria é constituída por tangentes, curvas e rampas.
Na imagem abaixo vemos uma curva típica, que se inicia e termina em uma tangente. O início da curva geralmente é marcado por um trecho de transição, em que o lado externo da curva começa a subir em relação ao seu lado interno (exatamente como vemos nas rodovias!). Em seguida começa o trecho chamado de circular, em que a diferença de nível de um lado da curva em relação ao outro se mantém inalterado. Até que, à medida que vamos saindo da curva, este desnível vai diminuindo até chegar a zero novamente na tangente. Este pontos de transição são também chamados de pontos notáveis da curva e podem ser classificados como:
TE: Tangente-Espiral
EC: Espiral-Circula
CE: Circular-Espiral
ET: Espiral Tangente
Desenho esquemático de uma curva típica com representação da superelevação
Esta diferença de nível aplicada nas curvas é chamada de superelevação e é um recurso que os projetistas utilizam para contrabalancear o efeito da força centrífuga (aquela que você estudou em física que faz o objeto sair pela tangente). A aplicação da superelevação consiste em elevar o trilho externo para inclinar a via de forma a criar uma força centrípeta que anulará o efeito da força centrífuga e permitirá aos veículos atingir maiores velocidades com maior segurança.
Na prática das ferrovias de carga são adotados dois parâmetros empíricos para definir a superelevação ideal para a seção circular de uma curva, sendo elas a superelevação prática e a superelevação contra tombamento.
A superelevação prática é definida como 2/3 da superelevação teórica. Já a superelevação teórica é o resultado de uma equação em que a força centrífuga gerada por uma composição circulando em uma curva com bitola e raio específicos, na velocidade máxima da via, é anulada pela força centrípeta criada pela inclinação da composição. Em outras palavras, temos as equações abaixo:
Superelevação teórica:
Superelevação prática:
Assim, você pode verificar que a superelevação prática é uma mitigação da superelevação teórica. Esta mitigação é importante pois sabemos que: diferentes composições, com diferentes centros de gravidade geralmente circulam nas ferrovias de carga; que as composições circulam em diferentes velocidades, geralmente abaixa da máxima permitida; e que pode ser necessário o estacionamento das composições no meio das curvas. Assim, para evitar que os veículos tombem para dentro das curvas, a superelevação prática é adotada.
Além disso, a norma de geometria de via brasileira estabelece que as ferrovias de bitola métrica respeitem uma superelevação máxima contra tombamento de 100 mm.
Além da superelevação, as curvas também são definidas pelo que chamamos de flecha. O valor da flecha determina o raio de curvatura nos diferentes pontos da curva. A flecha é medida em milímetros, sendo definida como a distância entre a face do trilho até o ponto médio de uma corda gerada entre dois pontos faceando o trilho.
Assim, como no caso da superelevação, o valor da flecha também aumenta desde a tangente (ponto notável TE) até o início da seção circular de uma curva (ponto notável EC), fica imutável ao longo da circular, e diminui até zero, entre o fim da circular (ponto notável CE) e o início da tangente (ponto notável ET).
Outro parâmetro que define a geometria de uma via é a rampa. O valor da rampa, geralmente expressado em porcentagem, é que descreve a variação da cota da via. A rampa é calculada dividindo a diferença de cota entre dois pontos pela distância entre estes dois pontos ao longo da via.
O último parâmetro que vou utilizar para definir a geometria da via é a bitola. De acordo com a norma de classificação de via permanente, ABNT NBR 16.387, a bitola é a distância entre as faces internas dos trilhos de uma via, medida a 16 mm abaixo da superfície de rolamento dos trilhos.
Existem 3 tipos de bitola sendo utilizadas no Brasil, sendo que a mais comum é a bitola métrica (1.000 mm), seguida pela bitola larga (1.600 mm) e, por fim, a bitola standard (1.435 mm). Em alguns trechos onde duas ferrovias de bitolas diferentes se encontram, encontramos o que é chamado de bitola mista, que nada mais é do que uma linha com 3 trilhos onde circulam composições para bitola larga e métrica.
Mas porque temos diferentes bitolas no Brasil? A bitola inicialmente adotada como padrão no Brasil foi a métrica, provavelmente por uma questão de praticidade e redução de custos. Com o passar do tempo, com o desenvolvimento de tecnologias e redução de custos de construção, o Brasil decidiu adotar como padrão uma bitola mais larga e eficiente, adotando a bitola de 1.600 mm. Algum tempo depois, por razões que desconheço, alguns projetistas convenceram o setor público a construir ferrovias de passageiro no padrão internacional de 1.435 mm.
Na imagem abaixo vemos as principais vantagens e desvantagens da bitola larga em relação à bitola métrica:
Vantagens e desvantagens da bitola larga em relação à métrica
Divisão e funções gerais dos componentes
Na prática ferroviária costumamos dividir a via permanente entre infraestrutura e superestrutura, sendo muito aceita a definição de que tudo que está abaixo do sublastro pertence à infraestrutura e todos os componentes que estão do sublastro para cima pertencem à superestrutura.
É importante saber que cada componente da via permanente possui uma função específica, mas de forma geral, eles trabalham em conjunto para garantir:
A manutenção da geometria da via;
A manutenabilidade da geometria no caso de vias lastradas;
A elasticidade da via;
A drenagem da via
A manutenabilidade dos diferentes componentes;
A distribuição das cargas da composição até o terreno natural.
A capacidade de suporte dos vagões é possível graças a uma bem pensada estrutura em que a carga do veículo ferroviário é transmitida pelas 8 rodas ao trilho através de uma área de contato de aproximadamente 3,0 cm². A partir daí ela é distribuída do patim para a placa de apoio, da placa de apoio para o dormente, do dormente para o lastro, do lastro para o sublastro e do sublastro para o subleito. Observa-se que sempre haverão materiais menos resistentes e nobres abaixo dos materiais mais resistentes e nobres, e sempre aumentando a área de contato entre os componentes de cima para baixo.
Conclusão
Neste post apresentei alguns conceitos e características importantes da via permanente ferroviária, principalmente conceitos relacionados à geometria da via. Mas escrevi também sobre a divisão da via permanente entre infraestrutura e superestrutura e sobre as funções dos componentes da via.
Espero que tenha gostado do post. Se gostou, dê uma visitada no site e nos outros posts.
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Escrito por Paulo Lobato, PMP com colaboração de Laura Lima
Especialista em manutenção de via permanente ferroviária
Elevada experiência em gerenciamento de projetos e análise de viabilidade técnica-econômica de novos projetos
Engenheiro Civil formado pela UFMG em 2010 com curso de extensão em ferrovia e transportes pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris/França
Certificado em Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI)
Certificado em Inglês Avançado (CAE) pela Cambridge University
Pós-graduado em Engenharia Ferroviária pela PUC-Minas
Pós-graduado em Gestão de Projetos pelo IETEC
Pós-graduado em Restauração e Pavimentação Rodoviária pela FUMEC
Contato: (31) 98789-7662
E-mail: phlobato01@gmail.com