INTRODUÇÃO
O esmerilhamento de trilhos é um processo fundamental na manutenção de Via Permanente moderna. O aumento do volume transportado e incremento contínuo da carga por eixo do material rodante levaram ao aceleramento do desgaste de trilho e a níveis limítrofes do esforço mecânico suportado pelo trilho. As consequências destes fenômenos são defeitos superficiais em trilhos e o desenvolvimento de um perfil de trilho não adequado ao balanceamento de esforços de contato roda-trilho e consequente descarrilamento.
DEFEITOS DE TRILHOS
Segundo MOURA (2009), esta condição de carregamento dos trilhos leva em situações específicas a tensões que superam o limite de escoamento do aço utilizado nos trilhos. Neste momento, com a passagem para a região de deformação plástica, há o aparecimento das primeiras fissuras na superfície de rolamento do trilho. Estas fissuras terão taxas de crescimento proporcionais à condição de tráfego da ferrovia considerada (MTBTs – Milhões de toneladas brutas transportadas). Com o acúmulo de MTBTs as fissuras superficiais crescerão, com o aparecimento de defeitos superficiais graves (tipicamente RCF – Rolling Contact Fatigue), que são caracterizados pela perda de material superficial.
Defeitos tipo fissuração (headchecking)
O defeito tipo head checking (figura 1) se origina de microfissuras tão finas como o fio de cabelo e espaçadas regularmente de alguns poucos milímetros. Testes de laboratório têm mostrado que é muito mais fácil de iniciarem defeitos sob condições secas e de alta fricção. Entretanto, para que os defeitos cresçam é necessária a presença de um fruído entre as trincas, como por exemplo, água ou óleo (TORRES, 2009).
Figura 1 - Defeito do tipo fissuração (headcheck) [3]
Defeitos tipo escamação (flaking)
Segundo Torres (2009), na medida da evolução do head checkings devido às elevadas pressões que resultam do contato roda / trilho, as trincas vão se comunicando internamente gerando perda leve de material (figura 2). As pequenas lâminas vindas da superfície de rolamento são levadas e agrupadas próximas do canto de bitola. Assim é gerado este defeito chamado escamação no boleto (flaking).
Figura 2 - Defeito tipo escamação de boleto (flaking) [Autor]
Defeitos tipo despedaçamento de canto de bitola ou topo do boleto (shelling)
No despedaçamento do canto da bitola, inicialmente, os trilhos exibem manchas escuras alongadas e irregularmente espaçadas no canto da bitola ou no topo do boleto, conforme figuras 3 e 4. Essas manchas são os primeiros sinais de desintegração do aço logo abaixo da superfície de rolamento que, após, se manifesta por rebarba e trincas na fase lateral e, finalmente, pelo despedaçamento do canto da bitola que pode atingir uma grande extensão do trilho (TORRES, 2009).
Figura 3 - Shelling no topo do boleto [Thiago Gomes Viana]
Figura 4 - Shelling no canto do boleto [Autor]
Defeitos por deformação plástica do boleto
A deformação plástica do trilho é o resultado da ação combinada entre as forças de compressão e arrasto, gerados pelos “passeios” dos aros das rodas sobre a fase superior do boleto, chamado também de caminho de rolamento, fazendo com que o aço escorra alem da face externa do boleto, formando rebarbas. Este tipo de defeito quando em deformações menores são chamados de tongue lipings. As figuras, 5 e 6, apresentam as características deste tipo de deformação (TORRES, 2009).
Figura 5 - Defeito de deformação plástica [4]
Figura 6 - Tongue lipping [4]
O gráfico 1 apresenta a taxa de crescimento de um defeito em trilhos ferroviários com esmerilhamento e sem esmerilhamento, em função do volume transportado (MGT – Million Gross ton, que é equivalente a MTBT).
Figura 7 - Taxa de crescimento de defeito superficial [2]
Observa-se que em situações normais o crescimento da trinca seguiria a trajetória tracejada, onde já há uma tendência de crescimento em uma função exponencial ou logarítmica. Sem um controle da taxa de crescimento os trilhos apresentarão perda de material no boleto e tendência ao fraturamento – com conseqüências graves no tocante a operação ferroviária. Assim, o esmerilhamento de trilhos é o método utilizado para controle dos defeitos de trilhos associados às condições de carregamento observadas nas ferrovias modernas. A intenção deste processo é coibir o crescimento das trincas através da respectiva remoção (total ou parcial nos estágios de crescimento iniciais) por abrasão. Este efeito é ilustrado na trajetória amarela. Os defeitos são reduzidos sequencialmente, prolongando-se a vida útil do trilho e evitando o aparecimento de defeitos severos (Moura, 2009).
O principal tratamento indicado para os defeitos Rail Contact Fatigue (RCF) tem sido regularmente o esmerilhamento do trilho. O esmerilhamento é usado para remover fraturas de superfície quando elas têm fração de 1 mm de profundidade, antes que se propaguem pelo trilho. Este processo se torna uma ferramenta de manutenção preventiva do trilho e não somente um meio de correção para os danos constatados.
PERFIL IDEAL DO TRILHO
Complementarmente à função de remoção de defeitos superficiais de trilhos, o esmerilhamento também permite a formação de um perfil transversal ideal dos trilhos menos propenso ao descarrilamento. A maioria dos estudos relacionados à escalada da roda sobre o trilho esta baseada no trabalho de M.J. Nadal pautado no equilíbrio estático de esforços de contato roda-trilho. Simplificadamente, segundo Nadal, se os esforços laterais (L) superarem em certa magnitude os esforços verticais (V) haverá a escalada do friso sobre o trilho e o consequente descarrilamento. A magnitude limite para esta relação L/V depende principalmente do coeficiente de atrito (µ) do trilho e do ângulo de contato do friso com o trilho (ângulo de ataque – β), conforme a figura 8.
Figura 8 - Relação de esforços de contato roda-trilho
Os valores limites para a relação L/V, conhecida como Coeficiente de Nadal, variam enormemente em função do coeficiente de atrito e do ângulo de ataque, valores usuais para estes parâmetros são os seguintes:
Trilho novo bem lubrificado: µ= 0,15
Trilho seco: µ= 0,40
Friso em boa condição: β=70°
Friso em condição regular: β=60°
O gráfico abaixo apresenta os valores críticos de L/V para diversos valores de µ e β:
Figura 9 - Valores críticos de L/V em função de ângulo de ataque e coeficiente de atrito
Para exemplificar, conforme a figura 9, na condição de roda nova e trilho novo, o contato se observa na região superior do friso (2), onde a inclinação β2 é maior e, portanto, favorável. Na condição de roda nova e trilho usado, o contato migra para a região inferior do friso (1), onde a inclinação β1, é menor reduzindo sensivelmente o limite crítico de L/V para que a roda inicie sua escalada.
Figura 10 - Inclinação β em função do desgaste do trilho
Para trilhos que apresentem desgaste, o ângulo de inclinação da face ativa do friso é substituído, na expressão de Nadal, pelo ângulo δ de desgaste indicado na figura 10, que define um novo plano de escalada da roda para o descarrilamento.
Figura 11 - Critério de Nadal para trilho com desgaste (ângulo δ)
*Artigo adaptado de: TORRES, H. S. Estudo de viabilidade técnica e econômica para aquisição de uma esmerilhadora de trilho. 2009.
REFERÊNCIAS
[1] MAGALHÃES, P. C. Contato Roda-Trilho. In: BRANCO, J. E. S. C.; FERREIRA, R. (Ed.). Tratado de estradas de ferro. Rio de Janeiro, 2000, p. 80-111.
[2] Moura, G. C. R. Documento técnico 3419 - Desomologação de itens em função de performance técnica e redução de custo (Premissas de esmerilhadora da FCA). Ed. Do Autor, 2009. Não publicado.
[3] TORRES, H. S. Estudo de viabilidade técnica e econômica para aquisição de uma esmerilhadora de trilho. 2009.
[4] SCHNEIDER, E. L. Análise da vida remanescente de trilhos com defeitos transversais desgastados em serviço. 2005. In:____. Programa de Pós Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais. RS, p. 5-33. Disponível em: www.lamef.demet.ufrgs.br/dissertacoes.html. Acesso em 21 mar 2009.
Escrito por Paulo Lobato, PMP com colaboração de Laura Lima
Especializado em via permanente ferroviária e gestão de projetos
Elevada experiência em gerenciamento de projetos e análise de viabilidade técnica-econômica de novos projetos
Engenheiro Civil formado pela UFMG em 2010 com curso de extensão em ferrovia e transportes pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris/França
Certificado em Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI)
Certificado em Inglês Avançado (CAE) pela Cambridge University
Pós-graduado em Engenharia Ferroviária pela PUC-Minas
Pós-graduado em Gestão de Projetos pelo IETEC
Pós-graduado em Restauração e Pavimentação Rodoviária pela FUMEC
Contato: (31) 98789-7662
E-mail: phlobato01@gmail.com
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